Os Braganças e a França
A dinastia de Borgonha que fundou o reino de Portugal no século XII é, na sua origem, francesa, o que daria margem a se dizer que as relações entre a monarquia portuguesa e a França existiram desde o nascedouro.
Mas nos séculos subsequentes, além dos laços históricos e geográficos que sempre ligaram este reino aos demais da Península Ibérica (reunidos a partir de 1492 sob a coroa da Espanha), foi da Inglaterra que Portugal se aproximou, sobretudo quando a nova dinastia de Avis (ramo bastardo da primeira dinastia) subiu ao trono (1385-1580). Os Braganças também têm a bastardia na origem, desta vez por meio de Dom Afonso, filho havido pelo rei Dom Duarte I (1433-1438) fora do casamento. Em 1580 morreu Henrique I, o último dos Avis, e Portugal tornou-se parte do enorme império de Filipe II de Habsburgo, recuperando a autonomia em 1640 sob o comando do duque de Bragança, a partir de então João IV (1640-1656). Foi sob a nova dinastia dos Braganças que Portugal adotou uma difícil política de neutralidade, procurando manter-se equidistante da esfera de influência das duas grandes monarquias da época, a França e a Inglaterra. A recuperação da soberania política arrastou Portugal para a guerra contra a Espanha, que só reconheceu os Braganças como dinastia reinante em 1668, pressionando o Papado para também adiar tal reconhecimento.
A Guerra da Restauração impôs alianças políticas e busca por auxílios financeiros. Uma das filhas de João IV, Catarina de Bragança, casou-se com Carlos II Stuart, mas antes disso houve a tentativa de ganhar apoio francês por meio do matrimônio entre o herdeiro do trono português, Teodósio, e a sobrinha de Luís XIV, filha do duque de Orleãs. Em plena guerra, lutando na Europa contra a Espanha e nas conquistas ultramarinas contra os holandeses – que se haviam estabelecido em Pernambuco e iam conquistando as possessões portuguesas na Asia – João IV ofereceu a regência de Portugal ao pai da futura noiva até que Teodósio subisse ao trono, dispondo-se ao mesmo tempo a deixar Portugal para viver nos Açores ou ir reinar no Brasil.
Teodósio morreu sem subir ao trono, em 1653; o casamento planejado nunca se fez e o apoio francês ao processo de restauração da autonomia portuguesa mostrou-se sempre hesitante. Com a morte de João IV e entregue a regência à rainha viúva, Luísa de Guzmán, realizou-se em 1666 o casamento do futuro Afonso VI (1662-1668) com a princesa francesa Maria Francisca de Sabóia. Tendo Afonso VI sido deposto logo depois, o trono e a rainha passaram para seu irmão, Pedro II (1668-1706), sob cujo governo teve início a Guerra de Sucessão da Espanha (1701-1714). Portugal, mais uma vez, oscilou entre a França e a Inglaterra: no início dos conflitos aliou-se à primeira, apoiando as pretensões de Luís XIV no sentido de colocar no trono espanhol seu neto Filipe de Anjou, mas decidiu-se em seguida pela causa do arquiduque Carlos e integrou o grupo dos aliados dos ingleses, o território europeu de Portugal tornando-se cenário das operações bélicas e a cidade brasileira do Rio de Janeiro sofrendo duas invasões francesas protagonizadas pelos corsários Duclerc (1710) e Duguay-Trouin (1711).
No início da guerra ocorreu o importante tratado de Methuen (1703), subordinando mais efetivamente a economia portuguesa à Inglaterra. Com a morte de Pedro II e a ascensão ao trono de seu filho João V (1706-1750) intensificaram-se, porém, as relações culturais entre Portugal e a França, sobretudo por intermédio de dois destacados diplomatas, o conde de Tarouca e Dom Luís da Cunha. Data de então o grande esforço do rei em comprar gravuras e livros em França a fim de enriquecer as coleções reais, que se tornaram notáveis. Nesse tempo, e no de seu filho José I (1750-1777), delineou-se com maior clareza a existência no seio da Corte de fações divididas entre o alinhamento à França ou à Inglaterra. Sob José I a grande figura do governo foi Sebastião José de Carvalho e Mello, conhecido como Marquês de Pombal e adepto do “partido” inglês.
No reinado seguinte, sob Maria I, impôs-se mais uma vez a opção entre a aliança inglesa ou a francesa. A rainha, que demonstrava havia tempos sinais de desequilíbrio mental, foi considerada incapaz em 1792 e o governo passou para as mãos de seu filho, João (mais tarde João VI). A partir de 1793 as relações entre Portugal e a França alternaram períodos de guerra e paz, até que em 1807 a instabilidade tornou-se incontornável. Enquanto o exército francês sob o comando de Junot se movimentava para invadir Portugal, Napoleão decretava que a dinastia de Bragança cessara de reinar naquele reino. Em novembro, com os franceses às portas de Lisboa, a rainha, o Príncipe Regente João, toda a família real e parte da nobreza do Reino fugiram para o Rio de Janeiro, ali estabelecendo o primeiro e único governo monárquico das Américas. Em 1815, no âmbito de negociações entabuladas no Congresso de Viena entre o diplomata português conde de Palmela e o ministro francês Talleyrand, o Brasil foi elevado a reino unido a Portugal.
Após a restauração dos Bourbons no trono da França e reatadas as relações deste país com o governo dos Braganças, sediado no Rio de Janeiro, negociou-se a ida ao Brasil de artistas, letrados, arquitetos e homens de ciência franceses, que chegaram à capital do reino do Brasil a partir de 1816. O pintor Jean-Baptiste Debret foi decisivo na criação de uma icononografia da monarquia portuguesa nos trópicos, desenhando trajes para as cerimônias da Corte e a arquitetura efêmera de festas havidas na capital do reino brasileiro. Com a proclamação da independência feita em 1822 por Pedro, filho de João VI e primeiro imperador do Brasil, os franceses – entre os quais Debret e os Taunay – continuaram a ter um protagonismo importante junto à Corte.
Quando, em abril de 1831, Pedro I abdicou do trono imperial brasileiro em nome de seu filho Pedro II, foi para a França que primeiro se dirigiu, buscando apoio para formar uma expedição que libertasse Portugal do governo absolutista de seu irmão Miguel e pusesse no trono sua filha Maria da Glória, ainda adolescente. Convidado por Talleyrand, Pedro I de Bragança esteve presente nas festas do primeiro aniversário da revolução de julho que levara Luís Filipe de Orleãs ao trono, e nos meses seguintes viu-se amplamente festejado como imperador constitucional, pois dera ao império do Brasil sua primeira constituição e se batia por fazer de Portugal uma monarquia constitucional. Residiu por algum tempo no castelo de Meudon, cedido por Luís Filipe, frequentou salões e espetáculos, fazendo sucesso com sua bonita figura e habilidades de cavaleiro. Apesar das evasivas do rei Luís Filipe foi em França que obteve meios junto a banqueiros e donde partiu com cerca de 7 mil homens para libertar Portugal, o que conseguiu após 3 anos de guerra e a ruína de sua saúde.
Pedro II (1840-1889) deu continuidade aos laços com a França. Isabel, sua filha e herdeira, casou-se com Gastão de Orléans, filho do duque de Nemours e conhecido como Conde d’Eu, o que entroncou os Braganças brasileiros na casa real francesa. Homem de grande erudição, admirador fervoroso da cultura europeia e da francesa em particular, tendo entre seus amigos e correspondentes Gobineau e Charcot, o segundo imperador do Brasil esteve por 3 vezes na França, onde afinal se exilou quando a república foi proclamada no Brasil em 1889. Membro da Academia de Ciências e membro honorário do Instituto de França, morreu em Paris em 1891, celebrado como uma das cabeças coroadas mais notáveis do século XIX.
Publicado em 2018
Legenda : Gravuras comemorativas do matrimônio da Infanta Catarina de Bragança. 1662