A ponte sobre o rio Oyapock

Entre questões socioeconômicas na Amazônia e materialização da amizade franco-brasileira.

A França é o país com mais fronteiras terrestres e marítimas no mundo. Na Europa, possui oito fronteiras, das quais duas são muito longas: uma de 620 km, com a Bélgica, e a outra de 623 km, com a Espanha. No entanto, é na América do Sul que a França compartilha com o Brasil sua maior fronteira: 730 km delimitam o espaço transfronteiriço entre a Guiana Francesa e o estado do Amapá. O rio Oiapoque que nasce nos montes do Tumucumaque, define 350 km dessa fronteira franco-brasileira. A história dessa fronteira confunde-se com a tentativa da França, a partir do século XVI, de se estabelecer no Novo Mundo. A coroa francesa planeja fundar a França Antártica sob o comando de Nicolas de Villegagnon e depois a France Equinocial, uma empresa colonial liderada por Daniel de la Touche. O fracasso dessas duas tentativas de se estabelecer no Brasil leva os franceses mais ao norte do continente sul-americano e sua presença se torna verdadeiramente duradora a partir do século XVII na Guiana Francesa.

Guiana, o atual país de ouro e  de madeiras preciosas

A história da Guiana é marcada pela disputa por suas terras, pela escravidão, marronagem, conflitos étnicos, deportação e pela exploração de seus recursos naturais. Ao longo dos séculos, o rio Oiapoque testemunha a ascensão e queda dos ciclos econômicos na região: extração de pau-rosa, cultivo de cana-de-açúcar e de cacau, cultivo de arroz, pesca e expedições em busca de minas de ouro que atingiram o pico entre 1880 e 1950.  Além disso, nesta região transfronteiriça, o cruzamento e a interculturalidade são notórios. Franceses, antilhanos, brasileiros, ameríndios compostos principalmente pelos povos Arawak, Palikur, Kalina, Karipuna e Wayana vivem juntos e usam os serviços dos catraeiros que atuam como táxi e fornecem a conexão fluvial entre as duas cidades, Saint-Georges , lado da Guiana e Oiapoque, lado amapaense. Na história da Guiana, a ocupação humana desse local transfronteiriço é muito diferente daquela conhecida no litoral, os "Baixas terras", planejados pelo governo central e seu projeto de colonização. É ao redor do rio Oiapoque, lugar de encontros e desacordos, que plana a causa da divergência das possessões territoriais desde que o artigo 8 do Tratado de Utrecht de 1713 entre França e Portugal estipula que "a navegação do Amazonas , bem como as duas margens do rio, pertencerão a Portugal e o rio Japoc ou Vincent Pinson servirá de limite às duas colônias ".

Guiana, entre disputas e ocupação

Segundo o Tratado de Tordesilhas (1494), as terras do atual Estado do Amapá pertencem à coroa espanhola. Com a União Ibérica entre 1580 e 1640, a Casa dos Habsburgo reina  também sobre Portugal e suas possessões. A capitania do Cabo Norte, criada pelo rei Filipe IV da Espanha, tem como objetivo perseguir os franceses vindos de Caiena, mas também os corsários holandeses e ingleses. Esses aventureiros contrabandeiam e procuram explorar e ocupar a região comercializando as especiarias com a Europa. Em 1713, o rei Luís XIV assina o Tratado de Utrecht, que estabelece as fronteiras da Guiana: no oeste, o rio Maroni, enquanto que no leste, a fronteira será fonte de mal-entendidos e disputas: primeiro com Portugal, em seguida com o Brasil independente. Durante o Bloqueio continental, tropas napoleônicas invadem Portugal e a família real portuguesa decide se estabelecer no Brasil. Ao chegarem, o príncipe regente Dom João eleva a colônia a categoria de Reino Unido e ordena a invasão da Guiana. A cidade de Caiena é ocupada entre 1808 e 1817 por tropas portuguesas. Para comemorar a ascensão da Casa de Bourbon ao trono, a Guiana é entregue à França. No entanto, o rei Dom João VI não assina o Tratado de Paris (1814), que reconhece esse ato de restituição. De fato, esse tratado determina que os limites entre o Brasil e a Guiana são os estabelecidos em 1792, quando a amizade franco-portuguesa se rompe. É somente no Congresso de Viena (1814-1815) que Portugal negocia com a França uma primeira convenção que reconhece os limites estabelecidos pelo Tratado de Utrecht. A segunda convenção (1817) cria uma comissão conjunta para definir definitivamente os limites da fronteira, o que não será feito. Por dois séculos, os dois lados tentarão estabelecer a extensão de seus respectivos territórios na Amazônia. Essas disputas terminam em 1900 com uma arbitragem suíça que fixa a fronteira entre o Brasil e a França.

Do contestado franco-brasileiro à ponte da amizade

Em 1894, após a descoberta de jazidas de ouro nas nascentes do rio Calçoene, em Amapá, é criado um governo para proteger os interesses locais. É eleito um triunvirato, de 1891 a 1900. O território da província do Pará, localizado entre os rios Oiapoque e Araguari, chamado "constestado franco-brasileiro", é administrado por líderes autoproclamados da Guiana e da região que esperam por uma decisão final. Em 1897, a França aceita a proposta brasileira de arbitragem internacional para resolver a disputa. Em 1900, o presidente da Confederação Suíça, Walter Hauser, atribui o território disputado ao Brasil, reconhecendo definitivamente o rio Oiapoque como fronteira. O diplomata brasileiro, o Barão de Rio Branco, chega à Suíça com dois volumes escritos diretamente em francês e um atlas de 91 mapas. Ele não se contenta em apresentar argumentos científicos. Assim, demonstra com sucesso que Araguari é um afluente da Amazônia e que os franceses não podem reivindicá-lo como uma fronteira. O Barão do Rio Branco usa argumentos históricos e demográficos: mapas com toponímia em português e línguas índigenas, histórias e testemunhos de viagens, inclusive escritos em francês. Isso confirma a precedência da colonização luso-brasileira na região. Em suma, o que está em jogo no conflito franco-brasileiro são questões geopolíticas e consistem principalmente no controle e na proteção do acesso ao estuário do rio Amazonas. Um século mais tarde, para selar de uma vez por todas o acordo entre a França e o Brasil, a construção de uma ponte sobre o rio Oiapoque é projetada pelos presidentes Jacques Chirac e Fernando Henrique Cardoso. Sua construção começa em fevereiro de 2008, sob os governos de Nicolas Sarkozy e Luis Ignacio Lula da Silva. Em março de 2017, uma ponte estaiada de 378 metros é aberta ao tráfego após o acordo entre os presidentes François Hollande e Dilma Rousseff. Entre rivalidades e indiferenças, a construção dessa ponte representa simbolicamente a concretização da amizade franco-brasileira mesmo se dificuldades alfandegárias e de circulação de indivíduos persistem. Apesar das questões econômicas e migratórias que marcam esses dois territórios isolados, a ponte "binacional" coloca em destaque uma nova situação geopolítica em um contexto de corrida pelo ouro clandestina: o meio ambiente e sua preservação.

 

Publicado em julho de 2020
Légende de l'illustration : Plan de la rivière doyapoc. 1717

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