Lévi-Strauss e o Brasil

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Os anos brasileiros de Lévi-Strauss (1935-1938) mostram-se fundamentais para a compreensão da carreira e da obra futura do etnólogo, assim como para o exame da cena universitária brasileira em seus primórdios. O jovem agrégé de filosofia chega a São Paulo como professor de sociologia da Universidade de São Paulo, criada em 1934, integrando a segunda leva da missão francesa convidada a inaugurar as atividades docentes na USP. Ainda que ocupe a cadeira de sociologia, os temas de seus cursos referem-se aos domínios da antropologia, e os programas contêm os temas sobre os quais trabalhará ao longo de toda a vida: o parentesco, o totemismo, os mitos.

Seguindo os rastros desses três anos passados no Brasil, é possível encontrar títulos de algumas conferências (por exemplo, “Progresso e retrocesso”; “A crise do evolucionismo” e “A hipótese evolucionista”) e alguns artigos em revistas e jornais da época. “O cubismo e a vida cotidiana” (Revista do Arquivo Municipal, 1935), republicação de um texto escrito aos dezenove anos , permite flagrar o interesse precoce pelas artes, nunca abandonado. “Em prol de um Instituto de Antropologia Física e Cultural”, do mesmo ano, lança as bases de um amplo laboratório de pesquisas, que deveria orientar-se para a identificação de áreas culturais e para a constituição de bases de dados: um fichário e um atlas de culturas e tipos físicos. Não parece exagerado afirmar que tal plano elaborado na juventude – ancorado de articulação ensino e pesquisa, e na formação de pesquisadores com formação prática e cursos interdisciplinares – realizou-se, anos mais tarde e com outros contornos, no Laboratoire d’Anthropologie Sociale (Collège de France).

Do ano de 1936, há menção a três textos: “A contribuição para o estudo da organização social bororo”, considerado por ele o único texto relevante desta fase; “Entre os selvagens civilizados” (O Estado de S. Paulo) e “Os mais vastos horizontes do mundo” (Anuários da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP). Em 1937, o Anuário da FFLCH publica “Os contos de Perrault e sua significação sociológica” e a Revista do Arquivo Municipal, “A propósito da civilização chaco-santiaguense”, discussão com as descobertas dos arqueólogos Ducan e Wagner na Argentina. O Boletim da Sociedade de Etnografia e Folclore, por sua vez, edita, no mesmo ano, “Algumas bonecas karajá” e “A civilizacão material dos índios Kadiveu”.

Não parece estranho ter Lévi-Strauss publicado a maior parte de seus textos na Revista do Arquivo Municipal, órgão oficial do Departamento de Cultura de São Paulo, dirigido pelo poeta Mário de Andrade, entre 1935 a 1938; é Mário quem atrai o casal Lévi-Strauss e outros professores franceses (Pierre Monbeig, Roger Bastide e Paul Arbousse-Bastide) para os projetos de sua gestão. Mas, dentre eles, Dina é quem mais se envolve com a instituição, ministrando cursos, coordenando pesquisas e fornecendo assessoria etnológica. Na SEF são realizadas ainda as excursões coletivas nos arredores de São Paulo, designadas em Tristes Trópicos como “etnografias de domingo”. Se São Paulo constitui o solo das investigações primeiras, são as pesquisas de campo junto às sociedades indígenas o principal legado da estada brasileira de Lévi-Strauss, que realizou com Dina duas importantes missões etnográficas: em 1935-36, visitam os Kadiveu e os Bororo, no Mato Grosso Central e, em 1938, seguem até os Nambikwara, quando encontram também os Bororo e os Tupi-Kaguahib do Rio Machado.

O período brasileiro mostra-se essencial para o desenvolvimento da futura identidade profissional de Lévi-Strauss; é nas pesquisas realizadas entre os índios que se forma o americanista. Sua obra é, ela também, devedora da experiência brasileira. A primeira fase de sua produção apóia-se na matéria-prima obtida no Brasil, sobretudo o artigo sobre os Bororo e a tese sobre os Nambikwara, La vie familiale et sociale des indiens nambikwara (1948). Os trabalhos posteriores, ainda que reúnam informações etnográficas de várias regiões americanas, beneficiam-se da etnografia das terras baixas sul-americanas, universo de experiência que funciona como uma espécie de ponto de partida a partir do qual a obra se projeta. Obra que se movimenta pela incorporação de novos objetos e questões, e pelo retorno sistemático a antigos resultados, ao começo – os Bororo, os Nambikwara (basta olharmos os resumos de seus cursos – as paroles données – ao longo dos anos). Do mesmo modo, em Structures élémentaires de la parenté, a troca matrimonial se inspira no exemplo Nambikwara; as Mitológicas, por sua vez, tomam como ponto de partida um mito bororo.

Pensando nas ressonâncias da presença de Lévi-Strauss no meio intelectual brasileiro da época, não é possível dizer que tenham sido fortes, sobretudo em função da sua breve permanência no país. Se Jean Maugüé, Pierre Monbeig e Roger Bastide fizeram discípulos durante a estada brasileira, a entrada das idéias de Lévi-Strauss no Brasil não coincide (nem poderia) com os seus anos brasileiros. Ela se dá a partir do final dos anos 50 com as discussões acerca da noção de arcaísmo em etnologia e com o re-exame de tópicos como a organização dualista entre os povos do Brasil Central, e anos depois, com os estudos do parentesco amazônico.

Publicado em 2009

Legenda : A propósito da civilização chaco-santiaguense. C. Levi-Strauss. 1937

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