Momentos chave

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A história das relações entre o Brasil e a França foi ritmada por momentos-chave que estruturaram em médio prazo uma série de eventos aparentemente isolados.

Mesmo antes da chegada dos portugueses em 1500, no litoral do que viria a ser o Brasil, a arbitragem papal, selada entre as coroas ibéricas em 1494 pelo Tratado de Tordesilhas, tornava essas terras uma possessão de Lisboa. No entanto, mercadores franceses logo começam a frequentar a região para "traficar" o pau brasil. Além dessas iniciativas privadas, o reino da França não estava satisfeito com esta partilha do mundo e Francisco I pede para ver "o testamento de Adão", que a legitimaria.

Em meados do século XVI, na baía da Guanabara, e depois em 1612, em contexto político completamente diferente, as tentativas de colonização francesa, apesar de militarmente fracassadas, deixarão escritos fundamentais que alimentarão a crônica etnográfica e os imaginários: os do franciscano André Thevet e os do calvinista Jean de Léry, para a França antártica – uma das primeiras projeções utópicas europeias no continente americano; os escritos dos capuchinhos Yves d’Évreux e Claude d’Abbeville, para a França equinocial.

Todas as potências não ibéricas serão finalmente rechaçadas e detidas no norte do Brasil, o que concretizou a série das Guianas, britânica, holandesa e francesa. No início do século XIX eclodirá um novo conflito entre França e Portugal, autônomo desde 1640, em torno de Caiena. A invasão da cidade pelos luso-brasileiros responde à da península ibérica pelas tropas napoleônicas. Após a Restauração, a ocupação perdura em razão de um litígio a respeito da fronteira sul da Guiana. O “contestado franco-brasileiro” só acabará em 1900, com a arbitragem da Suíça.

Nesse meio tempo, o mundo mudou de era. A Revolução francesa abalou os equilíbrios do Antigo Regime: os senhores do Brasil temem a propagação das ideias subversivas implicadas na independência norte-americana de um lado e na revolta dos escravos no Haiti de outro. Esses acontecimentos representam os dois polos-chave das novas questões em jogo: a emergência dos Estados-Nações e a aspiração à igualdade e à liberdade do gênero humano. Um combate se trava ao longo do século pelo fim do tráfico negreiro

(que autoridades francesas e brasileiras tentam prolongar ao máximo, apesar da pressão britânica), e em favor da abolição da escravatura.

Com sua conclusão imperial, a fase revolucionária francesa terá também um efeito indireto sobre as condições da independência do Brasil: frente ao avanço das tropas de Junot, a Corte portuguesa se transfere para o Rio de Janeiro em 1808, deslocando o centro de gravidade de seu império. Esse caso único de transplantação de uma coroa europeia para a América pode explicar que a nação brasileira tenha sido inicialmente uma monarquia, e não uma república, como em todos os lugares ao seu redor. Além disso, esse regime garantiu, a partir de 1822, apesar da ruptura com a antiga metrópole, a manutenção da dinastia dos Bragança dos dois lados do Atlântico.

A virada geopolítica de 1816 levou um grupo de artistas e artesãos franceses, marginalizados pela Restauração, a tentar a sorte no Rio de Janeiro. Longe de ter sido consensual, essa “missão artística” (o próprio nome é controverso) deixou contudo sua marca na formação cultural do jovem país; assim, o pintor Jean-Baptiste Debret servirá ao primeiro imperador do Brasil, dom Pedro I, e publicará, após sua volta à França em 1831, três volumes ilustrados: a célebre Viagem pitoresca e histórica ao Brasil (1835-1839).

Um século mais tarde, outro tempo forte dos intercâmbios franco-brasileiros se tece no campo cultural, em torno das vanguardas artísticas e da criação das universidades do Rio de Janeiro e de São Paulo. Se o modernismo brasileiro dos anos 1920 cultivou laços ambivalentes com a França, ele dialoga com personalidades como Blaise Cendrars ou Benjamin Péret, que fizeram, ambos, a viagem ao Brasil. Na década seguinte, a Universidade de São Paulo recorrerá, entre outros, a professores franceses para formar suas primeiras turmas; entre eles estarão Fernand Braudel, Claude Lévi-Strauss e Roger Bastide. A experiência marcará duravelmente a obra dos dois últimos. Assim, em cinco séculos, a França e o Brasil, que figuram desde então entre as dez primeiras potências mundiais, passaram de relações coloniais a uma cooperação e intercâmbios que tendem à maior simetria e reciprocidade. Suas culturas continuam a se nutrir mutuamente, e ainda têm muito a aprender uma com a outra.

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