Pau-Brasil : do pau de brasa dos mercadores ao pau-pernambuco dos arqueteiros

O Brasil tira seu nome do pau-brasil, árvore tintorial que forneceu o primeiro produto extraído e enviado à Europa após a chegada dos portugueses. O desaparecimento quase completo da Mata Atlântica acarretou uma grande rarefação da árvore nacional, provocando atualmente uma tensão em torno de sua utilização para a fabricação de arcos de instrumentos musicais.

O pau de brasa que deu seu nome ao Brasil

O pau-brasil ou pau-pernambuco é uma árvore da família das Caesalpinias, geralmente de porte pequeno (10 a 12 m, às vezes 30 m), da qual se extrai uma tinta que foi muito requisitada pela indústria têxtil. No século XVIII, Lamarck, que lhe deu o nome científico de Caesalpinia echinata, salienta também, em seu verbete sobre o “Brésillet de Fernambouc" que “esta madeira é apropriada para peças feitas no torno e pega bem o polimento”. Inicialmente nomeada por Cabral “Ilha de Vera Cruz” em 1500, o apelido dado pelos mercadores à nova terra prevalece e ela toma o nome desta árvore, principal recurso identificado em suas costas de aspecto altamente hostil, que oferecia então uma cobertura florestal contínua, a Mata Atlântica.

A exploração da árvore tintorial, primeiro dos ciclos econômicos brasileiros

O pau-brasil foi o fundamento do primeiro dos ciclos econômicos brasileiros, sem que essa atividade puramente predatória  propiciasse a fixação territorial, contrariamente ao ciclo do açúcar que o seguiu. Em 1503, o Rei de Portugal concede o monopólio de seu comércio a uma sociedade mercante lisboeta dirigida por Fernão de Noronha. O contrabando rompe rapidamente esse monopólio. O negócio é conduzido por portugueses, mas também por holandeses, espanhóis, ingleses e franceses, particularmente mercadores normandos que respondiam à demanda da indústria têxtil de Rouen. Inúmeros barcos partem então dos portos de Dieppe e de Honfleur. Proveniente da residência de um desses mercadores, um baixo-relevo composto de dois painéis de madeira esculpidos, apresentado no Museu das Antiguidades de Rouen, dá uma ideia da dureza das condições de exploração do pau-brasil, que repousa no trabalho efetuado pelas tribos ameríndias locais para o corte e o transporte da madeira para os navios. André Thevet e, principalmente, Jean de Léry, cronistas inimigos da expedição de Villegagnon (1555), escreveram linhas críticas sobre a submissão dos ameríndios imposta pelo comércio do pau-brasil.

Desaparecimento da Mata Atlântica, rarefação do pau-brasil

A partir de meados do século XVI, a colonização vai extrapolar cada vez mais amplamente a exploração exclusiva do pau-brasil e um processo de territorialização vai acontecendo via uma economia rural de fazendas de monoculturas, inicialmente engenhos. A consequência foi o desmatamento massivo da Mata Atlântica. Em sua Viagem pitoresca e histórica (1834-1839), Jean-Baptiste Debret lamenta que o pau-brasil “comece a faltar [e que] o comércio em breve só poderá recorrer fracamente a uma atividade outrora tão lucrativa. De resto, este empobrecimento é imputável única e exclusivamente aos brasileiros [... que negligenciam] o estabelecimento de sementeiras, esta grande contribuição da agricultura razoada". A urbanização acentuou em seguida o desmatamento.

A afirmação de um símbolo nacional

É nítido o contraste entre esse desaparecimento quase completo da árvore e do bioma que a acolhia e o símbolo que o pau-brasil representa desde que foi instituído como “árvore nacional” em 1978, na época da ditadura militar. Bem mais que na paisagem vegetal natural, ele se encontra hoje nos jardins botânicos ou como árvore ornamental no espaço público. Os avanços na sistemática botânica vêm apoiar a argumentação política, com estudos filogenéticos mostrando a identidade da espécie com relação ao gênero Caesalpinia. A espécie foi rebatizada com o nome de Paubrasilia echinata, afirmando seu caráter endêmico.

A madeira para arcos de instrumentos musicais

O pau-brasil, sob o nome de pau-pernambuco, é também utilizado desde o século XVIII em arquetaria, quando, em seu ateliê parisiense, François Xavier Tourte opera uma revolução na técnica de fabricação dos arcos, graças ao uso do pau-brasil, cujas propriedades físicas conferem uma sonoridade inigualável ao violino. Isso engendra desde então um comércio, modesto em volume, mas hoje ameaçado pelo desaparecimento quase completo da Mata Atlântica. A preocupação da pequena profissão dos arqueteiros – 600 ateliês no mundo, 70 na França – resultou na iniciativa internacional para a conservação do pau-pernambuco (IPCI), para a qual 70% dos arqueteiros decidiram verter 2% de seu volume de vendas, permitindo a plantação de 340 340 000 árvores a partir de 2002, materializando, muito tempo depois, as sementeiras preconizadas por Debret. Dezenas de anos são, contudo, necessários antes que elas produzam uma madeira explorável para a arquetaria.

Restrição ou proibição do comércio do pau-pernambuco ?

Em 2007, o Brasil consegue que a espécie seja inscrita no anexo II da CITES, Convenção sobre o comércio internacional das espécies faunísticas e florísticas ameaçadas, restringindo drasticamente o seu comércio. O caso ganha novos contornos sob a presidência de Jair Bolsonaro que vê na defesa da árvore nacional ameaçada a oportunidade de se contrapor aos protestos internacionais contra o desmatamento da Amazônia. O Brasil pede então que o pau-pernambuco seja inscrito no anexo I da CITES, o que proibiria, desta vez, o seu comércio e mesmo a circulação dos arcos já fabricados. Para alívio dos arqueteiros e do mundo da música, grandemente mobilizados, a CITES decidiu em novembro de 2022 suspender esse pedido, propondo um conjunto de medidas de exploração sustentável da espécie. Essas medidas serão avaliadas ao final desse sursis fixado para a próxima reunião da CITES em 2025.

 
 
 
Publicado em novembro de 2023
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