Grandjean de Montigny e a retórica das cidades-capitais

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Quando falece Grandjean de Montigny em 1850, o Rio de Janeiro se tornara uma cidade cosmopolita, atenta aos compromissos entre atitudes estética e éticas.

Um dos jovens arquitetos mais promissores de seu tempo, Auguste-Henri Victor Grandjean de Montigny (Paris, 1776 - Rio de Janeiro, 1850) é, hoje, um nome que começa a ser lembrado na França. Embora muito citado no Brasil, sua ação carece ser melhor situada quanto aos deslocamentos estéticos que busca introduzir na prática e na encomenda de obras.

Período europeu

Descendente de uma noblesse de robe empobrecida em fins do século XVIII, Grandjean nasceu no Marais. Pelo lado materno, compõem sua linhagem magistrados e figuras do Ancien Régime, algumas ligadas ao campo da construção civil. Casou-se duas vezes com primas pelo lado materno, e, no Rio, em terceiras núpcias com a brasileira Luisa Francisca Ramos Penasco.

Grandjean de Montigny recebe com apenas vinte anos um primeiro prix d’émulation pelo projeto de uma Porte de Ville de Commerce, em 1796. Acabara de se matricular na École d’Architecture, criada pela lei de 1795.

Durante sua formação, se dedica a exercícios que se voltam às exigências de um novo tempo: Bourse Maritime, Musée d’Histoire Naturelle, Mosquée, Bastide, Orfanato Militar, Albergo dei Poveri. Participa, em 1799, do concurso do Embellissement des Champs-Élysées com seus colegas Famin, Debret e Bury, no qual é premiado e se aproxima de Charles Percier (1764-1838) e Pierre-François Léonard Fontaine (1762-1853). No mesmo ano sai vencedor, ex-æquo com Louis Gasse, do Grand Prix de Rome com o projeto de um Élysée ou Cimetière Public e reside na Itália como bolsista entre 1802 e 1805.

Parte para seu Grand Tour com o primeiro diretor da Académie de France, Joseph-Benoît Suvée (1743-1807) e trabalha nas obras da Villa Médicis. Das ruínas da Roma Imperial à cultura citadina da Toscana dos séculos XIV e XV, seus desenhos inspiram-se de Étienne-Louis Boullée e de Claude-Nicolas Ledoux. Segue contudo o olhar detalhista de Percier, seu professor, ou os conselhos de Fontaine, como se vê em Architecture Toscane, ou Palais, Maisons, et Autres Édifices de la Toscane (1806-1815), obra assinada com Auguste Famin. Sua poética oscila entre a antiga definição da arquitetura como arte do desenho e do ornamento e, a nova, como arte de construir espaços e experiências. Publicará em 1813 um Recueil des plus beaux tombeaux exécutés en Italie dans les XVe et XVIe siècles d’après les dessins des plus célèbres architectes et sculpteurs.

Viúvo, com filha pequena, regressa a França e recorre aos contatos para ganhar projeção. É indicado pela Académie d’Architecture para trabalhar na corte de Jerôme Bonaparte, em Cassel, na reforma do Fredericianum Museum (1808-1810) e no Plan, coupe, élevation de la restauration du Palais des États et de sa nouvelle salle (1810). Lá, Grandjean exercita-se na retórica das cidades-capitais: essas obras buscam fazer com que a cidade se torne um emblema das novas relações entre Estado e cidadãos, e entre os indivíduos entre si, nas quais a educação se tornava determinante na classificação social. Grandjean participa do concurso para a abertura da Rue de Rivoli e da reforma do Louvre (1810). Entretanto, os insucessos de Leipzig colocam termo à efervescência deste reino (1807-1813) e levam-no a Paris com dificuldades materiais agravadas.

Período brasileiro

É neste contexto que partirá para o Brasil, movido pelas conversas de Alexander von Humboldt sobre a criação de uma eventual escola de artes e ofícios no Brasil, com ele, o Chevalier Francisco José Maria de Brito e o Marquês de Marialva. Segundo alguns, nelas seria evocado o aproveitamento de artistas desempregados com a queda dos Bonapartes. Segundo outros, Grandjean foi motivado pelo desejo de Joachim Lebreton, secretário perpétuo do Institut, fragilizado por se contrapor à devolução aos seus países de origem das obras de arte do Louvre. É também possível pensar que, nestas circunstâncias, Lebreton se aproximaria dos diplomatas portugueses, Brito e Marialva, e também dos franceses, Grandjean, Debret e dos Taunay, desejando implementar seus projetos de reformulação da educação pública, tema que o ocupa de longa data.

Grandjean atravessa o Atlântico com cerca de 40 pessoas: artistas e familiares, assistentes, discípulos e empregados. Chegam ao Rio em março de 1816, apoiados, pelo Chevalier de Brito. A escola será oficializada como Escola Real de Ciências, Artes e Ofícios em 12 de agosto de 1816, por decreto do príncipe regente, D. João (futuro D. João VI), que designa os franceses como seus professores.

Os historiadores têm se debatido sobre este apoio do regente, em exílio no Brasil desde 1808 com a invasão de Portugal pelas tropas de Napoleão, a um grupo de aliados, em princípio hostis à Casa real. O fato poderia ser explicado pelas alianças de setores da maçonaria que tanto confrontam quanto aproximam príncipes, ministros, diplomatas e artistas, a despeito de suas nacionalidades.

Na França, Grandjean, além de Percier e Lebreton, da Loge du Grand Sphynxe do Chevalier de Brito, talvez tenha contado com o apoio de Joseph Jerôme Siméon, Conseiller d’État de Jérôme Bonaparte na Vestfália, Grand Maître de l’Orient. No Rio, o grupo tinha a proteção do recém nobilitado Conde da Barca, António de Araújo de Azevedo (1754-1817), Ministro da Marinha e do Ultramar, que já o apreciava. Em 1815, com a queda de Napoleão, o Conde fora acusado de tecer elos com a maçonaria francesa e, reabilitado em 1816, tornara-se a figura mais poderosa da Corte, centralizando as pastas das Finanças e do Reino.

Embora contratado, a vida do arquiteto sofre percalços com as disputas que se acirram a partir da Independência em 1822. Com Jean-Baptiste Debret, dedica-se a obras efêmeras e têm o apoio de D. João VI mesmo após a morte do Conde da Barca e de Joaquim Lebreton em 1817. É encarregado da construção da Bourse du Commerce (1820-1822), uma das mais eruditas realizações do período.

Com a aclamação de D. Pedro I, realiza projeto para adaptação do Paço dos vice-reis em Palácio Imperial (ca.1825), valorizando-o com a abertura de uma rua dedicada ao Imperador. Projeta sua residência na Gávea, a sede da agora chamada Academia Imperial de Belas Artes e residências privadas. Propõe, em 1827, uma praça cívica no Campo da Aclamação com o Fórum e a catedral de D. Pedro de Alcântara. Resiste às críticas da imprensa e realiza com Debret a 1ª exposição da Academia, tratando sempre a arquitetura como res pública.

D. Pedro I abdica em 1831 e, até 1840, Grandjean dedica-se ao ensino, realizando projetos como uma 2ª Bolsa de Comércio em 1834, e um Mercado. A partir de 1840, com a coroação de D. Pedro II, a sua atuação torna-se mais regular com os planos de uma Biblioteca Imperial (1842) e, embora aposentado em 1843, os projetos se sucedem: Praça da Imperatriz (1844), novo Palácio Imperial e Senado (1847).

Nos seus anos europeus prevalecia uma arquitetura preocupada em representar o poder do príncipe; ora, mesmo sob o peso de uma cultura escravocrata, a sua obra exige que o arquiteto se coloque frente a frente à cidade. A Câmara Municipal e o Imperador pedem propostas de chafarizes em diferentes bairros, o calçamento do Rio se multiplica – Aclamação, Constituição, São Francisco de Paula e Rocio da Cidade Nova (1848).

A despeito da retórica das cidade-capitais, Grandjean mostra maior atenção com as demandas por serviços coletivos. Quando falece em 1850, o Rio de Janeiro se tornara uma cidade cosmopolita, atenta aos compromissos entre atitudes estética e éticas.

Publicado em setembro de 2021

Légende de l'illustration : Projeto arquitetonico para o Palácio Imperial. A. Grandjean de Montigny. 1848

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