Jean-Baptiste Debret, de um império a outro

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Dos artistas franceses que fizeram a viagem transatlântica, Jean-Baptiste Debret é incontestavelmente o que mais terá enriquecido a “imaginária” brasileira.

Nascido em Paris em 18 de abril de 1768, foi sobrinho-neto do pintor François Boucher e, sobretudo, primo de Jacques Louis David, que o levou, em 1785, para a incontornável peregrinação romana das vocações artísticas. Animado por sentimentos revolucionários (em 1793 ele assistiu à execução de Louis XVI), Debret aderiu, como seu primo, a Napoleão, enaltecendo-lhe a glória através da sua pintura da história, fiel aos cânones neoclássicos então em voga. A deportação de seu protetor a Sainte-Hélène e a morte do único filho tornaram-lhe o ano de 1815 bastante sombrio. Convidado pelo tzar a exercer seu talento em São Petersburgo, finalmente preferiu integrar a “colônia Lebreton”.

Uma vez no Rio, apesar dos dessabores da “Missão” francesa, Debret recebeu numerosas encomendas oficiais. Foi solicitado para a decoração de solenidades: o desembarque no Rio da arquiduquesa austríaca Maria Leopoldina, em 1817, a aclamação de dom João VI, em 1818… Com Grandjean de Montigny, assim como com os escultores Auguste Taunay (morto precocemente em 1824) e os dois irmãos Ferrez, vestiram a cidade com arcos de triunfo, templos, estátuas alegóricas, obeliscos, colunas dóricas, monumentos dos quais não resta mais nenhum traço.

Após a Independência foi promovido a “pintor particular da Casa Imperial” e se viu encarregado da renovação das cortinas do palco do Teatro da Corte. Autor de vários quadros oficiais, retratos imperiais ou de cerimônias como o coroamento e o segundo casamento de dom Pedro I, Debret também desenhou trajes de solenidades, uniformes, certas decorações do regime e a primeira bandeira brasileira, cujas cores, o verde dos Bragança e o amarelo dos Habsburgo-Lorraine, simbolizam também as florestas e o ouro do jovem país, enquanto que o losango não deixa de lembrar os estandartes dos exércitos napoleônicos.

Paralelamente, Debret desenha vegetais a pedido de Leopoldina, faz esboços da sociedade do Rio e armazena uma série de cenas de gênero, paisagens e tipos étnicos, enriquecida quando de sua viagem através da província de São Paulo até o atual Paraná, em 1827. Como uma extensão da experiência de ensino que ele exerce a título oficial ou privado, conforme as vicissitudes do momento, e que vai formar dezenas de discípulos, Debret organiza em 1829 uma exposição apresentando 105 obras suas e de seus alunos, bem no espírito dos Salões parisienses.

Mas a instabilidade política crescente, que em seguida vai desembocar no retorno de D. Pedro a Portugal, e o advento da monarquia orleanista na França, menos rigorosa em relação aos antigos servidores do Império, impelem Debret a deixar o Brasil em 1831, após um período bem cheio de quinze anos. Em Paris é recebido por seu irmão, François Debret, arquiteto do Institut de France. Dando continuidade à moda iniciada em 1820 pelas Voyages pittoresques et romantiques dans l’ancienne France, do Barão Taylor e de Charles Nodier, ele se consagra desde então à publicação dos três volumes de Viagem pitoresca e histórica ao Brasil, que serão publicados em 1834, 1835 e 1839, por Firmin Didot Frères. Pitoresca porque obra de um pintor, mas, no plano de conjunto do trabalho, e mesmo no interior de cada tomo, é também histórica, pois acompanha “a caminhada progressiva da civilização no Brasil”, indo dos índios (vol. I) à vida política e religiosa (vol. III). O autor segue de perto a passagem de suas aquarelas à litografia, uma técnica em seu apogeu, e redige os comentários que vão acompanhar mais de cento e cinquenta gravuras.

É preciso aprender a ler estes textos e estampas, distinguindo a parte do olho neoclássico que cultiva as correspondências com a Antiguidade, a dos detalhes inspirados por seus contemporâneos (como isso é estabelecido principalmente para os desenhos do português Joaquim Candido Guillobel) ou transpostos a partir de seus informantes (a leitura de Spix e Martius, por exemplo), a das concessões exóticas feitas a seu público francês e dos efeitos de dramatização próprios à composição, a do olhar indulgente, superior ou irônico do pintor “esclarecido”, e a parte que deriva da observação pura. Também é bastante útil confrontá-los à outras séries de pintores e viajantes estrangeiros, como por exemplo as do inglês Chamberlain, do austríaco Ender ou do bávaro Rugendas, cujo Viagem pitoresca através do Brasil, com sua centena de gravuras, foi publicado em Paris de 1827 a 1835.

À época, a acolhida reservada à obra de Debret foi minimizada, não indo, na França, muito além dos círculos com certos interesses pelo Brasil. Se Gonçalves de Magalhães saudou no fim do primeiro tomo da revista Nitheroy, em 1836, “o observador instruído, pintor incansável e filósofo”, os brasileiros apreciaram mais o primeiro volume, conforme à tonalidade indianista do romantismo dominante no país, do que os dois últimos, que mostravam principalmente a vida cotidiana carioca e a condição dos escravos.

Debret morreu um tanto esquecido em 1848, em uma França renascendo para a república; contudo, seu fiel aluno Manuel Araújo Porto-Alegre, fez dele, no discurso de homenagem póstuma pronunciado em dezembro de 1852 no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, “o chefe da terceira época da escola fluminense”. Completado por desenhos originais em grande parte inéditos, muitos dos quais recolhidos pelo colecionador Castro Maya, seu Viagem é tido hoje como uma fonte insubstituível de informações sobre um período decisivo da emergência do Brasil nação.

Publicado em 2009

Legenda : Panorama de l'intérieur de la baie de [Rio de Janeiro]. Voyage pittoresque et historique au Brésil [...]. 1834-1839

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