Os presentes de Cunhambebe

Artefatos como documentos-testemunho da relação entre Franceses e Tupinambá no século XVI.

A curiosidade e o interesse em comercializar o pau brasil estimulou aventureiros e navegadores franceses a frequentar a costa brasileira desde os primeiros anos do século XVI, à época dominada pelos Tupinambá.

Em maio de 1555, Nicolas Villegagnon e seu capelão, o franciscano André Thevet (1502-1592), atendendo ao propósito do Rei da França, partem da Normandia para o litoral entre Cabo Frio e a Baía de Guanabara, no atual Rio de Janeiro, com o fim de estabelecer a França Antártica, um projeto sem sucesso mas que lhes rendeu uma bagagem de estórias extraordinárias e de objetos indígenas diversos.

As crônicas sobre os costumes dos Tupinambá e sobre a fauna e flora das Américas, além da coleção de artefatos indígenas, despertaram grande interesse filosófico e científico na Europa renascentista. Para além da curiosidade mútua dos primeiros encontros, as trocas de presentes entre os Tupinambá e os Franceses no século XVI tinham um caráter ritual de alianças em construção. Os objetos oferecidos pelos Tupinambá como prova de confiança aos “maíres”, nome atribuído pelos nativos aos Franceses, assumiriam outros significados nas cortes europeias. Os presentes eram dados aos senhores de prestígio visando a ascensão social ou a articulação diplomática, em um sistema de patronagem, prática que contribuiu para a formação dos primeiros acervos dos gabinetes de curiosidades e futuros museus etnográficos na Europa.

O manto e o bastão Tupinambá são duas joias raras da coleção das Américas, alguns dos primeiros objetos que chegaram do Novo Mundo na França.  Estes objetos são testemunhos materiais de um momento-chave da história em que os Franceses tiveram participação fundamental. Presentes nas narrativas de cronistas franceses do século XVI, como André Thevet ou Jean de Lery e nas gravuras de ilustradores como Theodore de Bry, representam alguns dos primeiros registros dos modos de vida dos indígenas, em especial o ritual da antropofagia. O bastão Tupinambá, considerado uma “lenda museal”, é um destes objetos que aparece em muitas ilustrações e crônicas seiscentistas como o principal instrumento usado pelos guerreiros para derrubar seus inimigos, a fim de dividi-los em um banquete ritual.

Após anos de esquecimento, ganhou o destaque em uma das vitrines do musée du quai Branly-Jacques Chirac, e nova leitura, com as pesquisas de Alfred Métraux. O manto Tupinambá, uma trama de fibras vegetais coberto de penas vermelhas de guará, é um dos mais bonitos e valiosos artefatos dos povos indígenas no Brasil, um dos cinco exemplares no mundo, nenhum deles no país. Impressionado com a criatividade dos Tupinambá em produzir mantos e cocares “à moda local”, André Thevet comenta que trouxe à França um manto destes, usado pelos pajés, de presente a um fidalgo “grande apreciador das singularidades e admirador das pessoas virtuosas”. Em seus relatos, André Thevet transcreve passagens de diálogos com Cunhambebe, a maior liderança dos Tupinambá, que teria lhe presenteado com o manto, entre outros objetos pessoais.

As coleções de artefatos e os registros literários dos cronistas franceses neste período são algumas das primeiras impressões históricas sobre os povos indígenas brasileiros e sobre as culturas das Américas. O acesso a esses documentos históricos nos permite, ao público em geral e particularmente aos indígenas, novas perspectivas de interpretação das relações históricas e culturais entre França e Brasil.

 

Publicado en juilho de 2020
Légende de l'illustration :  Cape. 16e. s.

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