Louis-Léger Vauthier

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Entre 1840 e 1846, o engenheiro francês formado na École des Ponts et chaussées, Louis-Léger Vauthier, viveu em Pernambuco.

Durante este período ele desenvolveu um intenso combate pela difusão dos escritos dos membros da Escola societária, este movimento que reunia em torno das teorias de Charles Fourier indivíduos e personalidades bastante diferentes. Um combate que Vauthier registrou meticulosamente nas páginas de seu diário pessoal, editado pela primeira vez no Brasil em 1940 pelo grande sociólogo brasileiro Gilberto Freyre.

Antes de integrar a École royale des Ponts et chaussées em 1836, Vauthier frequentara os bancos da École polytechnique, onde foi apresentado às doutrinas que Engels, de maneira lapidar e quase definitiva, chamou de « socialismo utópico », escolas de pensamento inspirados em Charles Fourier e Saint-Simon mas também em Owen e Étienne Cabet. A denominação marxista, por oposição ao « socialismo científico », sobreviveu durante quase todo o século XX.

Quando Vauthier desembarca em Recife, as mulheres da cidade já não mais se escondem por trás das gelosias do período colonial; elas vestem-se à francesa e começam a frequentar os salões da sociedade. Mesmo se esta sociedade continua essencialmente patriarcal, os senhores de engenho não mais exercem um poder ilimitado ; nem em relação aos seus escravos nem, na maior parte dos casos, em relação às suas próprias famílias, não há dúvida que seus direitos continuam enormes. A economia brasileira se implica em uma lenta transição do trabalho escravo — somente abolido em 1888 — ao trabalho livre, apesar da resistência de negreiros e proprietários de terras. Rio de Janeiro, Recife, São Luís e, claro, Salvador da Bahia, são ainda cidades povoadas de negros, escravos ou alforriados. Os imigrantes europeus começam apenas a afluir, pequenos comerciantes, artesãos de todo o gênero, operários especializados, mestres e seus aprendizes: eles vêm satisfazer, com seu savoir-faire, as necessidades de um mercado jovem e ávido por novidades.

Primeiramente Vauthier dirige as obras de construção de um grande teatro, palco onde a elite poderá ver e ser vista, assistir aos espetáculos importados da Europa e mostrar sua capacidade para adotar modos e comportamentos sociais “civilizados”.

Nesta sociedade urbana nascente, a influência francesa vem substituir a portuguesa e competir com a presença inglesa, sobretudo econômica, que os acordos comerciais favoreciam francamente desde 1808 e a abertura dos portos brasileiros. A França está então na moda, as elites lêem francês e desejam imitar senão os personagens dos romances de Dumas pai ou de Hugo, pelo menos os desenhos de moda publicados nas revistas que chegam de Paris.

Homem da cultura escrita, Vauthier acompanhava de muito perto a atividade editorial francesa em geral e a do movimento ao qual ele se filia em particular. Ele comenta em seus cadernos as últimas obras lançadas, expõe seus pontos de vista, tece críticas ou elogios e encomenda romances, peças de teatro, livros técnicos, sobretudo os editados pela Librairie sociétaire, que ele divulga em Pernambuco.

Seu combate consite igualmente em vender assinaturas do La Phalange e do Démocratie pacifique, jornais do movimento societário. Mas quem são os leitores assinantes destas publicações? Essencialmente grandes proprietários de terra, gente próxima do presidente da província, membro eminente do Partido conservador mas educado na França e aberto tanto às inovações técnicas quanto ideológicas, desde que, é claro, elas não interpelem os próprios fundamentos desta sociedade baseada na exploração das grandes propriedades de cana de açúcar e da mão de obra escrava.

Em 1846 surge O Progresso, revista lançada por Antônio Pedro de Figueiredo com o apoio de Vauthier. Foi um importante laboratório de ideias que a Revolução Praieira de 1848, cujo caráter progressista é consagrado pela historiografia brasileira, condena à extinção.

No ano anterior, em Niterói, no Rio de Janeiro, nascera um jornal precursor do gênero : O Socialista da Província do Rio de Janeiro, que estampa sua filiação à corrente fourierista. Um ano antes havia sido lançado na capital do império O Globo, “jornal filosófico, literário, industrial, científico”. Seu fundador, A. F. Guimarães, era adepto das teorias de Saint-Simon e de Fourier.

Algumas décadas mais tarde, outros engenheiros iriam aderir ao projeto sansimoniano do Barão de Mauá com o objetivo de desenvolver a indústria e as vias férreas no Brasil, antes de os militares positivistas proclamarem a República.

Publicado em 2009

Legenda : Notícia da divulgação do Diário Íntimo de Louis-Léger Vauthier. Jornal Correio da Manhã. 28 de junho de 1940

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