O teatro francês nos trópicos (1810-1910)

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Espetáculos teatrais foram um dos principais meios de difusão da cultura e dos valores franceses no século XIX. O prestígio do repertório e a admiração pelos artistas ajudaram a consolidar a hegemonia cultural da França, estreitando sua conexão com o público brasileiro.

Os pioneiros

Com a mudança da coroa portuguesa para o Brasil, em 1808, abriram-se oportunidades para que artistas franceses viessem trabalhar no Real Teatro de S. João, inaugurado em 1810. Dançarinos foram contratados para formar o corpo de baile e continuaram atuando depois da Independência (1822). Além de exibirem coreografias na abertura e nos intervalos dos espetáculos líricos e dramáticos, eles ministraram aulas particulares e publicaram manuais de dança, difundindo seus conhecimentos de balé e de danças de salão.

As trupes francesas

A partir de 1840 chegaram as primeiras companhias organizadas de Théâtre Français, trazendo as novidades do bulevar parisiense. Os grupos formados por profissionais de Paris e das províncias, principalmente Lyon, Marseille e Bordeaux, introduziram vaudevilles, óperas cômicas, féeries, dramas e melodramas acompanhados de música. Dentre os autores mais representados figura o nome de Eugène Scribe, cujas criações (La Calomnie, Le Cheval de Bronze, Les Diamants de la Couronne, e Le Domino noir) alcançaram enorme sucesso. Também agradaram as peças de Eugène Labiche (Un Chapeau de paille d´Italie e Le Voyage en Chine), de Adolphe D´Ennery e Lemoine (La Grâce de Dieu), e de Alfred Bayard e Vanderbuch Le Gamin de Paris). Entretanto, nada se compara à febre produzida a partir de 1860 pelas operetas de Jacques Offenbach (Orphée aux enfers, Barbe-Bleue, La belle Hélène e La Grande Duchessse de Gerolstein), que jovens vedetes parisienses cantaram no teatro Alcazar Lyrique Fluminense e a imprensa local não se cansou de comentar.

Apesar do sucesso das partituras, a elite francófona preferia se espelhar no modelo de civilização oferecido pela dramaturgia moderna de Alexandre Dumas Fils (La Dame aux camélias, Le Demi-Monde), Émile Augier (Le Gendre de M. Poirier), Théodore Barrière (As Mulheres de Mármore), Octave Feuillet (Dalila) e Ernest Legouvé (Par droit de conquête). Os “dramas de casaca”, como ficaram conhecidos, foram melhor aceitos pelos intelectuais em razão dos valores éticos e das mensagens moralizadoras que transmitiam. As peças receberam aplauso, foram traduzidos e inspiraram autores nacionais. Algumas foram interpretadas em diferentes línguas e serviram para a comparação entre os artistas estrangeiros que visitaram o país.

As estrelas internacionais

Geograficamente bem situada na costa do Atlântico, a capital brasileira se tornou ponto de passagem de artistas que realizaram excursões pela América do Sul durante o recesso de verão no continente europeu. Estrelas de renome, como Sarah Bernhardt, incluíram o Rio de Janeiro em suas tournées. A atriz visitou três vezes a cidade (1886, 1893, 1905), para onde trouxe um programa misto, em que combinava títulos clássicos (Phèdre de Racine) com obras do romantismo (Hernani e Marion Delorme, de Victor Hugo, La Tour de Nesle, de Dumas pai), e peças já aclamadas de V. Sardou (Fédora e Cléôpatre), E. Legouvé e E. Scribe (Adrienne Lecouvreur) e Dumas Filho (La Dame aux camélias). Tal como ela, o grande ator da Comédie Française, Coquelin aîné, chegou ao Rio em junho de 1888 para demonstrar sua habilidade nos papéis de Molière (As preciosas ridículas) e nos dramas da atualidade, atuando em sucessos de Ohnet (O mestre de forjas) e Augier (As aventureiras).

Do ponto de vista da encenação, experiências inovadoras só foram conhecidas em 1903, quando André Antoine, criador do Théâtre-Libre, fez uma temporada com seu grupo, a caminho de Buenos Aires. O diretor apresentou 29 peças, dentre as quais Henry Bernstein (Le Marché), Jules Renard (Poil de carotte) e Jules Lemaître (L’Âge difficile). Algumas montagens provocaram polêmica, pois não foram compreendidas pelos críticos brasileiros que estavam acostumados às convenções das “peças bem-feitas”. O público apreciava, sobretudo, o trabalho dos intérpretes e aplaudia os dramas do bulevar parisiense. A célebre atriz Gabrielle Réjane recebeu efusivos elogios por seu desempenho em 1902 e retornou para inaugurar o novo Teatro Municipal do Rio de Janeiro, em 1909, quando exibiu seu talento em Madame Sans-Gêne, de Sardou, e Zaza, de Berton e Simon.

Artistas e trupes francesas foram vetores de divulgação da literatura dramática em língua original, até que a Primeira Guerra Mundial interrompesse abruptamente o fluxo dos navios, alterando a intensa circulação transatlântica da cultura existente no século XIX.
 

Publicado em 2018

Legenda : Théâtre des Galeries de St-Hubert, le samedi 9 juin 1894 et jours suivants. Madame Sans- Gêne, représentations données par Mme Réjane. 1894

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