O tratamento da moda francesa na imprensa brasileira do século XIX

No Brasil do século XIX, a formação da cultura das aparências é guiada pelo modelo de vestuário francês. A imprensa, principal fonte de inspiração, construiu uma pedagogia do olhar através das ilustrações de moda parisiense e da descrição dessas imagens.

A moda francesa se torna um assunto na imprensa brasileira

Após a liberdade de imprensa, em 1821, aparecem diferentes jornais e revistas no território brasileiro. Um dos primeiros periódicos a divulgar artigos sobre a moda é O Espelho Diamantino (n° 3, 15/10/1827, p. 13). Em sua terceira edição, o redator escreveu que no Rio de Janeiro, a moda vem da França. Dois anos mais tarde, o redator de O Mentor das Brasileiras (n° 1, 30/11/1829, p. 8), revista publicada em São João del Rei, na província de Minas Gerais, reproduziu o mesmo artigo, substituindo Rio por “país” como um todo.

Na imprensa, essa moda de origem francesa é caracterizada de moderna, luxuosa, atual, bela, de bom tom e de bom gosto. Alguns anos mais tarde, Frei Miguel do Sacramento Lopes Gama, que escrevia para O Carapuceiro (n° 9, 29/03/1834, p. 7), uma revista publicada em Recife (Pernambuco), denuncia esse império da moda que fez das brasileiras verdadeiras escravas dos estrangeiros. Segundo ele, os brasileiros devem parar de ser « macacos » dos estrangeiros e inventar seus próprios modelos adaptados ao clima e à realidade do país. O artigo é replicado em outros órgãos da imprensa: O Astro de Minas (n° 1024, 10/06/1834, p. 4), de São João del Rei (Minas Gerais) ; A Verdade (n° 331, 19/07/1834, p. 3) e Monitor Campista (n° 55, 23/07/1834, p. 4), da província do Rio de Janeiro. No entanto, o gosto pela moda francesa e seu consumo se espalharam, principalmente graças à reprodução de ilustrações de revistas francesas.

Publicação de ilustrações de moda francesa na imprensa brasileira

É no final dos anos 1830 que são reproduzidas na imprensa brasileira as primeiras ilustrações de moda das revistas francesas. O Correio das modas (n° 1, vol. 1, 5/1/1839, p. 4), depois o Novo Correio das modas (n° 1, janeiro de 1852) publicam imagens extraídas do periódico Le Follet (n° 452, 1/7/1838, gravura 689 ; n° 1116, 5/4/1851, gravura 1665). No caso de O Jornal das Senhoras (1852-1855) e de O Espelho (n° 3, 18/09/1859, p. 9), as ilustrações são copiadas do Le Moniteur de la mode (1843-1913). No Jornal das Famílias (1863-1878), algumas ilustrações são assinadas por Héloïse Leloir (nascida como Suzanne Héloïse Colin, 1819-1873), uma ilustradora de moda francesa que trabalhou para o impressor parisiense Falconer. A revista A Estação (1879-1904) utiliza as ilustrações de moda de seu homônimo La Saison : journal illustré des dames (1867-1909). Tudo isso revela o lugar cada vez mais importante que a moda francesa ocupou na imprensa brasileira, aos olhos das leitoras e consumidoras.

As revistas de moda chegavam da França em navios à vapor que levavam cerca de um mês para atravessar o Atlântico, em função do clima. Desde a sua chegada nos portos brasileiros, os periódicos franceses eram distribuídos pelos quatro cantos do país, um circuito que ocupava diferentes tipos de profissionais a serviço dessa cadeia de “mediação cultural”.

Os redatores brasileiros geralmente tinham sua revista de predileção. A descrição das ilustrações era traduzida e adaptada ao contexto local. Assim, os nomes das casas parisienses eram substituídos por aqueles das lojas de modistas instaladas no Brasil para atender as expectativas das leitoras brasileiras.

Os custos elevados da impressão colorida reduziam as ilustrações a preto e branco, daí a importância dos comentários indicando as cores, bem como o tipo de tecido, o tamanho dos padrões, assim como o código de vestimenta apropriado em função das circunstâncias, e os estabelecimentos comerciais onde a roupa podia ser encontrada.

Voltada principalmente para as mulheres das classes sociais abastadas, o conteúdo sobre a moda francesa ganhou espaço nas revistas e nos jornais ao longo da segunda metade do século XIX, o que representava cerca de 5% do peso econômico do setor da imprensa, favorecendo, entre outros, a visibilidade e o desenvolvimento do comércio de luxo e de vestuário.

No Brasil, tanto os prescritores quanto os detratores deram à moda francesa um lugar de destaque na grande imprensa do século XIX e garantiram o sucesso de pequenas lojas especializadas.

 

Publicado em Junho de 2025

Legenda : Correio das modas, 1839-1840