Os mapas do diepense Jacques de Vau de Claye

A BnF possui dois mapas manuscritos em pele de velino, desenhados e coloridos, que representam regiões do Brasil; são assinados Jacques de Vau de Claye.

« Le vrai pourttraict de Geneure et du Cap de Frie » [O verdadeiro retrato de Janeiro e do Cabo Frio] (67 x 31 cm) é um retrato do Rio de Janeiro e do promontório de Cabo Frio, situado de maneira estratégica bem ao norte da cidade e ligado à baia de Guanabara por uma região de lagunas. Trata-se de um croqui detalhado; as condições de atracação são indicadas. As legendas fazem referência à antiga ocupação francesa de Villegagnon, que terminou em 1560. A cidade, fundada em 1567 após a vitória definitiva sobre os índios Tamoio, ao final de uma grande batalha naval em que o chefe das tropas portuguesas, Estácio de Sá, é morto, recebeu o nome de São Sebastião do Rio de Janeiro, em homenagem ao jovem rei português. O desenho mostra fortes com canhões apontados, uma igreja já construída, casas, engenhos nos arredores e aldeias indígenas, e indica rotas de fuga. Em 1573, a aldeia dos Temiminó, aliados autóctones dos portugueses, foi transferida para a margem norte da baía para, justamente, defender a cidade dos possíveis ataques vindos de Cabo Frio, em que estão entrincheirados os inimigos Tamoio e seus aliados franceses. Este detalhe permite dizer que o mapa é posterior. Os retratos de cidade surgem na mesma época na França: o desenho preciso dos locais e o perfil das cidades serve para a sua ocupação ou defesa em plena guerra de religiões.

O segundo mapa (45 x 59 cm), datado de 1579, é um portulano, um mapa marítimo, apresentando do ponto de vista do mar, da atracação, um trecho importante da costa do Brasil, do rio Amazonas até o sul de Pernambuco. O mapa é semeado de rosas dos ventos e atravessado por rumos, essas linhas de direção dos ventos que indicam as rotas marítimas. As casas portuguesas só vão até o “Fernambuco”. A partir da baía de “Santo Domingo”, está desenhado um semicírculo no qual está inscrito: “Na área deste semicírculo de compasso vos provereis de dez mil selvagens para fazer a guerra aos portugueses e eles são mais valentes dos que estão a jusante”. No interior, várias aldeias ameríndias estão desenhadas com personagens em ação: cena de dança, de ritual antropofágico, de trabalho com o pau-brasil, de guerra e de caça. Às margens do rio Amazonas, estão representadas as mulheres guerreiras, com um habitat bem diferente. Inscrições no mapa precisam também as distâncias, os fundos submarinos, os recursos em mar e em terra: a madeira, o açúcar, o âmbar e mesmo os rumores de presença de ouro.

Esses mapas são um testemunho da presença francesa no Brasil, que deve ser pensada como um continuum (1520-1620), entrecortada por dois episódios brevíssimos, mais oficiais, a França antártica (1555-60) e a França equinocial (1612-1615), aliás nunca totalmente apoiados pela coroa. Os franceses frequentam assiduamente, já nos anos 1520, a costa do Brasil para fazer o escambo do pau-de-tinta, utilíssimo para a indústria têxtil de Rouen. Essas trocas comerciais deram lugar a temporadas recíprocas, índios na terra de França e normandos na terra do Brasil, longas conversações, relações sexuais e filhos, alianças militares e guerras partilhadas contra seus inimigos comuns, ameríndios e portugueses.

As zonas diferentes representadas nos mapas, a montante e a jusante, remetem a duas rotas marítimas, a rota do Atlântico norte e a do Atlântico sul. Toda a costa está povoada por Tupis, que compartilham a língua, a cultura material, as práticas antropofágicas e guerreiras, mas que guerreiam entre si. Os franceses têm por aliados, ao sul, os Tamoio e, ao norte, os Potiguar, que chamam de Canibais.

Esses mapas documentam um momento preciso da aliança política e guerreira franco-tupi, o final dos anos 1570, momento de reforço da colonização portuguesa. Ao sul, tamoios e franceses ainda têm poder de ataque contra a nova cidade do Rio de Janeiro, em pleno desenvolvimento. Ao norte, os franceses ainda têm esperanças: os Potiguar, numerosos, resistem eficazmente ao avanço dos portugueses. A situação internacional reforça o projeto belicoso dos franceses, como mostra um brasão desenhado no mapa. A morte do rei de Portugal, em 1578, abre sua sucessão. Se Felipe II da Espanha, filho de uma princesa portuguesa, é o mais bem cotado, António, prior do Crato, um bastardo descendente do rei dom Manuel, também reivindica a coroa portuguesa e percorre as cortes europeias em busca de apoios, com os quais barganha seu império. É a título privado que a rainha-mãe Catarina de Médicis faz um acordo: uma frota dirigida por Strozzi, seu primo, homem de guerra e de aventura, ajudaria António a retomar os Açores e, dali, Portugal. Em troca, o norte do Brasil, ainda não colonizado e frequentado pelos normandos, se tornaria possessão francesa. A expedição, mal preparada, efetivamente aconteceu, resultando em uma derrota nos Açores frente à poderosa frota espanhola e na execução de Strozzi, como um vulgar pirata. 

Documentos históricos fascinantes, ao mesmo título que os textos de Thevet, Léry, d’Abbeville e d’Évreux, esses mapas carregam as marcas das guerras ameríndias e europeias do século XVI e dos projetos atlânticos das monarquias europeias, dois elementos constitutivos da história do Brasil.

 Publicado em Junho de  2025

 

Legenda : Le vrai pourttraict de Genevre et du Cap de Frie / [Signé ] Jqz de Vau de Claye, [1579]