Medicinas transoceânicas no Brasil nos séculos XVI e XVII

A partir dos anos 1530, os contatos regulares com novos povos e, consequentemente, com novas doenças, obrigam lusitanos e indígenas do Brasil a adquirir novos conhecimentos médicos que viajam e se implantam rapidamente no império colonial português.

Contatos e confrontos

Se as fontes modernas apresentam a Amazônia como uma terra virgem, as últimas pesquisas efetuadas por diversas equipes mostram um habitat denso e organizado, que corresponde às descrições feitas por Francisco de Orellana em sua descida do Amazonas entre 1541 e 1542: estima-se assim que vários milhões de indígenas tenham sido dizimados pelas doenças europeias trazidas pelos colonos (varíola, gripe etc.). 
Apesar de diferentes entre elas em termos culturais, religiosos e linguísticos, todas as sociedades autóctones são organizadas em torno da figura do pajé. Este é ao mesmo tempo um chefe espiritual, místico e curador, pois religião, magia e medicina estão epistemologicamente ligadas nessas comunidades ameríndias. Uma doença pode, por exemplo, ser atribuída a um mau espírito da natureza e o pajé intervém a fim de expulsá-lo. As principais doenças que circulam nas tribos são naturalmente a sífilis, mas sobretudo as febres, a disenteria e as dermatoses. As fontes europeias, e particularmente jesuítas, descrevem precisamente certos ritos médico-religiosos usados pelo pajé, como a sucção das feridas, sua mistura com fumaça de tabaco na boca e, depois, o cuspir da massa formada graças à saliva (P. José de Anchieta, Cartas, Informações, Fragmentos Historicos e Sermões, 1554-1594, 1933). Este método ainda existe atualmente na Amazônia e recebe o nome de yachay.
Um confronto de ideias acontece segundo a perspectiva do século XVI: a medicina portuguesa se funda de fato em uma herança antiga e medieval greco-árabe e não difere da medicina europeia, seja no nível da prática médica ou da farmacopeia empregada. Ambas são, assim, fortemente ligadas ao galenismo europeu, privilegiando o equilíbrio dos humores, a administração de remédios à base de plantas de origem europeia e a sangria. Os principais atores da saúde são de um lado o médico, então chamado de físico, diplomado pela universidade e, do outro, o barbeiro-sangrador e o boticário, após o aprendizado junto a um mestre. Contudo, muitas pessoas simples praticam a automedicação, em razão das tarifas.

 

Apropriação, hibridação e implantação

O contato quotidiano dos jesuítas e dos indígenas do Brasil permite aos primeiros observar as práticas médicas locais, documentar novas farmacopeias e difundi-las. Mas seu objetivo primordial é converter os autóctones: os missionários tornam-se rapidamente detentores de um saber médico europeu e local e muitas vezes acabam por substituir a figura do pajé junto aos indígenas, minando sua autoridade. Graças às suas redes, eles levam para a Europa essa farmacopeia até então desconhecida, que desembarca nos grandes portos europeus e nos espaços sob dominação europeia a partir do final dos anos 1560. O cajueiro, cujas folhas e a cobiçadíssima castanha de caju são, entre outras coisas, usadas por suas virtudes antiescorbúticas e vermífugas, atravessa assim os oceanos e se implanta nos entrepostos africanos e asiáticos mantidos pelos portugueses (São João da Mina, Goa e Macau por exemplo). As farmácias dos jesuítas, as boticas, situadas em seus colégios e monastérios, tornam-se o ponto nevrálgico da produção e da difusão institucionais dos conhecimentos terapêuticos no Brasil. Mas não devemos nos enganar: o interesse, mais do que alimentar ou médico, é antes de tudo comercial.
Uma hibridação médica progride no século XVII no Brasil. A difícil introdução durável de plantas europeias nas colônias portuguesas situadas em clima tropical, ou mesmo equatorial, obriga em primeiro lugar os colonos a se debruçar sobre a fauna e a flora locais para se alimentar e, depois, para comerciar e se tratar. Se no século XVI os portugueses, e outros europeus, se consagram principalmente à descoberta e à descrição de uma “nova” medicina, o contexto do século XVII corresponde mais a uma necessidade de colocar em prática essa “nova” medicina. Os tratados sobre as propriedades das plantas se definem agora por seu objetivo terapêutico, relegando o aspecto descritivo ao segundo plano (Cristobal Acosta, Tractado de las drogas, y medecinas de las Indias Orientales con sus plantas debuxadas al biuo, 1578; Willem Piso e Georg Marcgrave, Historia Naturalis Brasiliae, 1648).
O século XVII se caracteriza igualmente tanto na Europa quanto, depois, no Brasil, por uma difusão das concepções paracelsianas da medicina, que explicam a doença por fenômenos químicos. Como consequência, começa a operar-se uma lenta marginalização da farmacopeia galênica. O galenismo sobrevive no espaço luso-brasileiro até o final do século XVIII e inúmeras obras do início do século cruzam teoria humoral, teoria dos miasmas e terapêutica química. Se a Pharmacopeia Lusitana de D. Caetano Santo António (1704) é, por exemplo, principalmente composta de remédios herdeiros da tradição galênica e medieval, a segunda edição de 1711 cita sobretudo as obras de Nicolas Lémery (Cours de chymie, 1675; Pharmacopée universelle, 1697) e de Moyse Charas (Pharmacopée royale galénique et chimique, 1676).

A grande diversidade de culturas que caracteriza o Brasil a partir do século XVI verifica-se também no nível médico. O surgimento de novas doenças abala as certezas europeias quanto aos remédios até então empregados e obriga os médicos da época a abandonar certas práticas que haviam se tornado obsoletas e a se debruçar sobre novas plantas. O valor tanto mercantil quanto científico destas últimas faz com que logo atravessem o oceano e que, depois, sejam implantadas nos quatro cantos do Império português. Contudo, não existe um saber médico único. Saberes locais e europeus, e mesmo africanos, com a introdução de escravos no âmbito da economia açucareira a partir da década de 1570, convivem e traduzem a necessidade de adquirir novos conhecimentos.

 

Publicado em Janeiro de 2025

Legenda : Historia naturalis Brasiliae de Willem Piso et Georg Marcgrave, 1648

Médecines transocéaniques