Benjamin Péret, laços de família

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Na aventura americana de Benjamin Péret (1899-1959), os dois períodos passados no Brasil parecem mais caóticos do que o vivido no México (1941-1948). Marcados por vários imprevistos, eles têm um gosto de inacabado e de mal-entendido.

Na verdade, a relação de Péret com o Brasil, ainda que exemplar do interesse dos artistas franceses do início do século XX pelo « primitivo », é também muito singular : a mistura de um engajamento político, escolhas estéticas e uma história familiar confere a esta relação um caráter original e complexo.

Surrealista eternamente fiel a Breton e dono de uma fibra anarco-trotskista, Péret ligara-se em 1928 à família Pedrosa Houston. Crítico de arte e militante comunista, Mário Pedrosa havia iniciado sua ruptura com Moscou a partir de 1927. Em Paris, frequentou os círculos surrealistas, onde se aproximou naturalmente de Péret, enquanto que Elsie Houston, sua cunhada, procurava difundir o repertório popular brasileiro. Além dos seus recitais, ela publicou uma notável coletânea de Chants populaires du Brésil (1930). O casamento de Elsie e Benjamin, em 12 de abril de 1928, emblematicamente teve como testemunhas Heitor Villa-Lobos e André Breton. O casal desembarcou no Brasil em meados de fevereiro do ano seguinte.

Em São Paulo, o diálogo com o primeiro modernismo, notadamente o grupo de Oswald de Andrade, manteve-se superficial e sem futuro, visto que a experiência antropofágica chegava ao fim. Em contrapartida, assimilando a escravidão aos meios primários de exploração, Péret não cessou de valorizar as resistências negras. Os trezes artigos publicados no Diário da Noite, de 25 de novembro de 1930 a 30 de janeiro de 1931, interpretam a « makumba » e o candomblé como uma « forma elementar de protesto contra a opressão » social e clerical. Certo que as religiões continuavam a ser o ópio do do povo, tendendo a desaparecerem diante da tomada de consciência por parte dos pobres de sua submissão. Mas os ritos afro-brasileiros manifestam uma simplicidade inocente que tem um valor revolucionário e extravasa « poesia primitiva e selvagem ». Mais tarde Péret dedicou-se a uma obra sobre o Almirante Negro João Cândido Felisberto, que comandara a Revolta da Chibata, uma sublevação de marinheiros contra os castigos físicos no fim de 1910. O livro não ultrapassou o estágio de texto datilografado, do qual hoje apenas quatro páginas são conhecidas : em novembro de 1931 os papéis foram apanhados pelo ainda jovem governo Vargas. Já vigiado de perto por causa de sua participação na fundação, em 21 de janeiro do ano anterior, da trotskista Liga Comunista do Brasil, Péret, sob a ameaça de um mandato de expulsão, deixou o país em 30 de novembro com a família, Elsie e o filho Geyser, de 4 meses.

Ainda que ele só voltasse ao Brasil em junho de 1955, a convite do filho que não via desde 1933, o ano de sua separação , Péret conservou contatos no país, como comprova a sua correspondência, a relativa permanência de laços com Mário Pedrosa e um detalhe do Déshonneur des Poètes, escrito em fevereiro de 1945, no México : a edição de L’Honneur des Poètes (1943), a qual responde o contramanifesto, não é francesa mas do Rio de Janeiro…

O segundo período passado no Brasil não foi menos movimentado : em função de várias viagens que levaram o poeta de Manaus a Salvador, passando por São Luís, Fortaleza e o Ceará, Recife, e ainda na trilha de grupos indígenas do Mato Grosso no início de 1956 ; mas também por causa de uma segunda detenção rapidamente deslindada pelo protesto de cerca de oitenta artistas e intelectuais brasileiros. A vertente ameríndia o decepcionou. Sua concepção idealista da história, invocando deslocamentos « para trás no tempo », entre pureza perdida das origens e promessa de emancipação, o faz reatar, ainda que ele o negue, com a infantilização do selvagem : « Nos Carajás, encontramos […] este passado distante mas já profundamente adulterado por um longo contato com a civilização sob seu aspecto mais rudimentar. » Graça, « alegria infantil de viver », liberdade sexual « maculada por uma corrupção cuja responsabilidade é toda dos civilizados », egoísmo guiado pelos interesses imediatos…, a « civilização no seu nível mais baixo » se vê felizmente assistida a seus olhos pela abnegação do Serviço de Proteção aos Índios.

O Afro-Brasil o cativa mais uma vez. Seu ensaio sobre Palmares, retomando abundantemente as informações do etnólogo comunista Edison Carneiro, tem um duplo objetivo : acrescentar os grandes feitos dos escravos fugitivos do Nordeste do século XVII à história mundial das lutas de libertação, avaliando com esmero o seu valor emancipatório (estrutura política pré-soviética ; conteúdo religioso não católico ; embrião de comunismo econômico) ; e tirar a lição dos limites políticos e erros cometidos : estreiteza geográfica e ideológica da luta que deveria congregar todos os explorados da colônia brasileira, e falta de radicalidade de um quilombo contentando-se de uma liberdade elementar e perpetuando finalmente a escravidão.

Mas Péret nunca é mais inovador do que ao abandonar grades interpretativas pré-definidas e preocupações axiológicas : quando ele se interessa pelas artes populares ou pela arte dos loucos do Dr. Osório César, quando ele mantém o projeto de um filme sobre o palhaço Piolim, quando se faz divulgador de jovens poetas e artistas (Ferreira Gullar, Dacosta, Volpi) na rádio francesa (6 de agosto de 1956)… A excursão americana finalmente será aberta e fechada no Brasil, onde o escritor conclui, em agosto de 1955, em São Paulo, a introdução da obra de uma vida : sua Anthologie des mythes, légendes et contes populaires d’Amérique, publicada após sua morte em 1960.

Publicado em 2009

Legenda : Impressões de Benjamin Péret sobre o carnaval carioca. Jornal Diário Carioca, edição 00186. 20 de fevereiro de 1929

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